segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Síndrome de Savant: relato de caso e revisão da literatura

Savant Syndrome: case report and literature review

Renata Silva Jorge (1)
Djalma Aranha Braga (2)

(1) Acadêmica do 5º Ano de Medicina da UNIMES
(2) Neuropsiquiatra e Preceptor do Estágio de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital Ana Costa, Santos.
     Local onde o trabalho foi realizado: Hospital Ana Costa, Santos
     Endereço para contato: R. Pedro Américo, 60 - Campo Grande, Santos - SP - Brasil -      CEP: 11075-905 - e-mail: anacosta@anacosta.com.br

RESUMO
  Objetivo: descrever um caso de Sd. de Savant, condição rara caracterizada pela existência de   grande talento ou habilidade contrastando fortemente com limitações decorrentes das mais   variadas desordens mentais, incluindo o transtorno autista.
  Descrição: 5 anos, masculino, autista, portador de amaurose bilateral, é capaz de cantar várias   músicas, repetindo-as com perfeição a partir da primeira vez que as ouve. Apresenta problemas   comportamentais que estão sendo inibidos e evolui bem, começando a interagir com outras   crianças na APAE em que freqüenta. Conclusões: a Sd. de Savant não é um transtorno ou uma   doença por ela mesma. Portanto, não existe um tratamento para esta síndrome. Diante de um   caso de Savant, devemos direcionar a terapêutica à disfunção de base do sistema nervoso   central. Os talentos e habilidades especiais que os savants apresentam podem ser úteis em sua   reabilitação, como uma forma de engajamento social.
  Palavras-chaves: Savant. Autismo. Síndrome intratável.

ABSTRACT
  Objective: to describe a case of Savant Syndrome. It is a rare condition in which person with   various developmental disorders, including autistic disorder, have astonishing islands of ability,   brilliance or talent that stand in stark, markedly incongruous contrast to overall limitations.   Description: a five years old boy who is autistic and blind, is able to sing many songs with   perfection after hearing it for the first time. He has some behavior disorders that are been   inhibited and evolves well. Conclusions: Savant Syndrome is not a disorder or disease by itself.   Therefore the treatment for Savant Syndrome is the same treatment as that directed toward   the more basic central nervous system disorder. The special skills and abilities demonstrated,   can be used as a useful tool in the overall treatment and rehabilitation.
  Keywords: Savant. Autism. Intractable syndrome.

INTRODUÇÃO
A Síndrome de Savant é uma condição rara, em que a pessoa portadora das mais variadas desordens mentais, incluindo o autismo, apresenta brilhante talento ou habilidade contrastando fortemente com suas limitações. Esta condição pode ser congênita ou adquirida. Aproximadamente uma a cada dez (10%) pessoas autistas tem Síndrome de Savant. Em outras formas de transtorno mental, retardamento ou lesão cerebral, Savant está presente em menos de 1% dos casos.8 Porém, como estas outras formas de doenças mentais são muito mais comuns do que o autismo, podemos dizer que 50% das pessoas com Síndrome de Savant são autistas e os outros 50% sofrem de algum outro tipo de transtorno, como falhas no desenvolvimento, retardamento mental ou seqüelas de um dano cerebral

RELATO DE CASO
ELPFP, 5 anos, masculino, natural do Guarujá, com amaurose bilateral por um defeito na formação do nervo óptico (enxerga apenas luzes). Desde o nascimento apresenta retardo no DNPM. Preenche os critérios para Autismo segundo o DSM-IV (comprometimento qualitativo da interação social e da comunicação; uso estereotipado e repetitivo da linguagem; padrões restritos e repetitivos de comportamento; preocupação insistente com um ou mais padrões estereotipados e restritos de interesse; maneirismos motores estereotipados e repetitivos - p. ex., agitar ou torcer mãos ou dedos, ou movimentos complexos de todo o corpo)1. É capaz de cantar várias músicas, repetindo-as completamente a partir da primeira vez que as ouve. Durante este ato, cessam-se os movimentos estereotipados.
Após terminar de cantar, os movimentos estereotipados e automatismos retornam e o menino demonstra-se bastante agitado. Atualmente apresenta problemas comportamentais que estão sendo inibidos, e os familiares estão sendo orientados quanto ao manejo da criança. Os principais objetivos em relação à condução deste caso são: aumentar a comunicação verbal; diminuir ecolalia e estereotipia; estimular percepção tátil, noção espacial e temporal; desenvolvimento de autonomia e independência. Segundo relatos de sua mãe, o menino está começando a interagir com outras crianças na APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) que freqüenta. A deficiência visual dificulta a aprendizagem do aluno em alguns aspectos, porém o mesmo tem uma boa compreensão, conseguindo memorizar facilmente seqüências e rotinas. Quanto às atividades pedagógicas, o professor é facilitador e orientador, inibindo os comportamentos inadequados de forma que o mesmo utilize suas potencialidades de forma positiva.


DISCUSSÃO
Sem dúvida, savants estiveram presentes durante toda a história. No final do século XVIII, B. Rush já havia relatado casos semelhantes. Entretanto, o termo “Savant” não foi aplicado a estas pessoas especiais até 1887, quando o Dr. J. Langdon Down, descreveu cerca de 10 casos com grande riqueza de detalhes onde havia um grande contraste entre superioridade e incapacidade na mesma pessoa. As habilidades especiais incluiam talentos extraordinários para música, artes, matemática e mecânica, sempre acompanhados de uma memória fenomenal, presente em cada um dos casos. Dr. Down é mais conhecido por ter nomeado a Síndrome de Down, mas os casos dessas pessoas com habilidades especiais em contraste com suas deficiências, chamou muito a sua atenção. Sendo assim, foi ele quem cunhou o termo “idiot savant” para designar estes indivíduos extraordinários. Dr. Down resolveu juntar estas duas palavras porque na época, “idiot” (idiota) era um termo científico utilizado para designar pessoas com um certo grau de retardamento mental (Q.I. abaixo de 25) e “savant” ou “pessoa inteligente” é derivado da palavra francesa savoir que significa saber. Porém o termo “idiot savant” (idiota inteligente) não é mais utilizado para designar estas pessoas especiais, pois notou-se que quase todos os casos descritos a partir daquela época, ocorriam em pessoas com Q.I. acima de 40. Desta maneira, este termo foi substituído por outro mais adequado e melhor aceito, “Síndrome de Savant”8. Além disso, não é o baixo Q.I. ou o retardamento mental, seja ele apresentado como um sintoma ou uma doença isolada que determina se uma pessoa é ou não um savant. O termo Síndrome de Savant engloba uma série de diferentes transtornos mentais, onde o retardamento mental está incluído, porém não se restringe a ele. O termo deficiência mental, quando aplicado à Síndrome de Savant pode incluir transtornos como Autismo, Asperger, Hiperlexia ou Sd. de Williams, por exemplo. Em algumas destas pessoas, o Q.I. pode ser normal ou até mesmo acima do normal6.
A Síndrome de Savant ocorre de 4 a 6 vezes mais freqüentemente em homens do que em mulheres. Parte disto se deve ao fato de que ela ocorre em aproximadamente 10% das pessoas autistas, que se apresentam com esta mesma desproporção homem/mulher. Além disso, Geschwid e Galaburda demonstraram com detalhes em uma recente pesquisa que no desenvolvimento do feto humano, o hemisfério esquerdo do cérebro sempre completa sua formação mais tarde que o hemisfério direito7. Sendo assim, o hemisfério esquerdo do cérebro é exposto por um período maior de tempo à injúria cerebral de qualquer natureza. Um certo tipo de dano neuronal pode ser produzido pela circulação de testosterona, que no feto masculino alcança níveis muito altos e pode ser, em alguns casos, neurotóxica. Esta mesma injúria de desenvolvimento mediada pela testosterona, causando dano ao hemisfério cerebral esquerdo antes do nascimento pode explicar a mesma desproporcionalidade homem/mulher observada em algumas outras formas de disfunção do sistema nervoso central, como gagueira, dislexia, hiperatividade, dificuldades de aprendizagem e transtorno autista propriamente dito2.
Durante todo o século passado, foi observado que na maioria dos casos, as habilidades presentes na Síndrome de Savant estão curiosamente restritas à apenas cinco áreas do conhecimento geral – música, arte, cálculo ou outras habilidades matemáticas, cálculos de calendário e habilidades mecânicas/espaciais8.
A habilidade musical geralmente é a mais comum. Algumas pessoas com Síndrome de Savant podem tocar piano com perfeição, sem nunca ter estudado para isso. Elas são capazes de reproduzir músicas que ouviram por uma única vez, ou mais raramente, criar suas próprias composições. A tríade incapacidade mental, cegueira e geniosidade musical foi relatada com certa freqüência no século passado. Este é um fato curioso, particularmente se considerarmos a relativa raridade de cada uma dessas circunstâncias individualmente. O talento para as artes, como pintura ou desenho, é o segundo mais freqüente. Outras formas de talento artístico, como habilidade para fazer esculturas também podem estar presentes. Cálculos de calendário (datas) é particularmente comum entre os “savants”, especialmente se considerarmos o quanto esta habilidade é rara na população em geral. Estes indivíduos são capazes de dizer o dia da semana em que qualquer data irá ocorrer em um ano particular. Esta habilidade também inclui o fato de nomear todos os anos do próximo século em que a Páscoa irá cair no dia 23 de Março, por exemplo. Além disso, eles também conseguem dizer todos os anos nos próximos vinte, em que o dia 4 de Julho será uma Terça-feira.
Outras habilidades são ocasionalmente vistas, incluindo aquisições multilinguais ou idiomas incomuns. Tipicamente uma habilidade destas em particular ocorre predominantemente em cada pessoa com a Síndrome de Savant. Entretanto, em alguns casos múltiplas habilidades podem ocorrer na mesma pessoa. Qualquer que seja o tipo de habilidade, esta estará sempre relacionada a uma memória prodigiosa, e é este tipo de memória - extraordinariamente profunda, mas ao mesmo tempo muito limitada - que está presente em todas as várias habilidades especiais e une as condições que caracterizam a Síndrome de Savant.
Há alguns exemplos interessantes de pacientes portadores da Sd. de Savant na literatura atual. Kim Peek, sabe mais de 7600 livros de cor tão bem quanto qualquer código de área, rodovia, cep e estação de televisão dos Estados Unidos. Dele veio a inspiração para o personagem de Dustin Hoffman, Raymond Babbit, no filme Rain Man de 1988. Kim é também portador de retardamento mental e necessita da ajuda de seu pai para realizar muitas das tarefas básicas do dia-a-dia. Outro exemplo interessante é o de Leslie Lemke que é cego e sofre de paralisia cerebral. Apesar de nunca ter estudado piano, compõe músicas e é capaz de reproduzir diversas sinfonias, mesmo tendo-as ouvido por uma única vez. Richard Wawro é um pintor escocês renomado e conhecido internacionalmente. Desde os 17 anos de idade expõe seus trabalhos, que têm colecionadores famosos como Margaret Thatcher e Papa João Paulo II, entre outros. Ele é autista7.
Existe um grande número de teorias que tenta explicar o que causa a Sd. de Savant, porém nenhuma delas consegue explicá-la totalmente. Dentre essas teorias, há uma que se destaca por conseguir dar uma explicação consistente e plausível à maioria das habilidades savant. Esta teoria se baseia na injúria do hemisfério esquerdo do cérebro com a subseqüente compensação do hemisfério direito cerebral. É conhecido que os dois hemisférios cerebrais tendem a ter funções especializadas.
As habilidades mais freqüentemente observadas nos savants são aquelas associadas com o hemisfério direito, enquanto que suas deficiências se relacionam àquelas associadas ao hemisfério esquerdo. Estudos de imagem (tomografia computadorizada e ressonância magnética)5 demonstraram que realmente em alguns casos da Sd. de Savant há lesão do hemisfério esquerdo e essas lesões documentadas corresponderam às deficiências de funções do hemisfério esquerdo em detalhados testes neuropsicológicos. Recentes estudos de PET scan em pessoas idosas, que eram aparentemente normais e passaram a desenvolver habilidades semelhantes àquelas presentes na Síndrome de Savant demonstraram além de uma demência fronto-temporal, defeitos no lobo temporal esquerdo, reforçando a veracidade desta teoria7.
Na verdade, a Síndrome de Savant não é um transtorno ou uma doença por ela mesma. É, ao invés disso, uma condição em que extraordinárias habilidades e memória prodigiosa são superimpostas à uma disfunção cerebral de base que surge de um defeito do desenvolvimento ou à algum transtorno mental. Portanto, não há tratamento para a Síndrome de Savant, além daquele direcionado à disfunção de base do sistema nervoso central, como autismo ou transtorno de Asperger, por exemplo. Em casos de pessoas com alguma outra forma de lesão do sistema nervoso central, como demência fronto-temporal, por exemplo, o tratamento e reabilitação, seriam àqueles direcionados aos sintomas residuais de tal injúria.
Os talentos e habilidades especiais que os savants demonstram são úteis no tratamento e reabilitação de seu transtorno ou doença de base3,4. Em muitos casos essas habilidades extraordinárias podem ser usadas como uma forma de engajamento social. A pessoa deficiente pode incrementar sua capacidade de comunicação e interação social, promovendo o desenvolvimento de hábitos da vida cotidiana e independência. Desta maneira as habilidades especiais podem até servir como “condutores de normalização” para o savant8.


CONCLUSÃO
Foi descrito um caso de Síndrome de Savant associada ao autismo e suas principais características. É importante ressaltar que nem todas as pessoas com Sd. de Savant são autistas e nem todos os autistas têm Sd. de Savant. Como esta síndrome não caracteriza um transtorno ou uma doença isolada, não existe um tratamento específico além daquele destinado à disfunção de base do sistema nervoso central. Pelo contrário, os talentos e as habilidades especiais que os savants demonstram podem ser úteis em sua reabilitação, servindo como uma forma de engajamento social, promovendo integração e uma melhor qualidade de vida a estes pacientes.

A utilidade dos “tender points” no diagnóstico de fibromialgia foi posteriormente confirmado em vários estudos clínicos, com a adoção de diferentes critérios clínicos baseados na exclusão de doenças sistêmicas e a presença de certos sintomas e pontos dolorosos. Tais critérios levaram a uma sensibilidade de 88,4% e uma espe-cificidade de 81,1% e passaram a ser aceitos internacionalmente.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. DSM-IV-TRTM : Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 4ª ed. rev. Porto Alegre: Artmed; 2002.
2. Kaplan HI, Sadock BJ, Grebb JA. Compêndio de Psiquiatria. 7ª ed. Porto Alegre: Artmed; 1997;38:979-984.
3. Kazdin AE: Replication and extension of behavioral treatment of autistic disorder. Am J Ment Retard 1993;97:377.
4. Lovaas OI: Behavioral treatment and normal educational and intellectual functioning in young autistic children. J Consult Clin Psychol 1987;55:3.
5. Pisen J, Berthier ML, Sharkstein SE, Nehme E, Pearlson G, Folstein S. Magnetic resonance imaging: Evidence for a defect of cerebral cortical development in autism. Am J Psychiatry 1990;147:734.
6. Rutter M: Infantile autism and other persasive developmental disorders. In Child and Adolescent Psychiatry: Modern Approaches. 2ª ed. Blackwell; Oxford; England; 1985.
7. Treffert DA, Wallace GL: Islands of Genius. Scientific American. Wisconsin 2002; 6:76-85
8. Treffert DA. Savant Syndrome: Frequently Asked Questions [on-line]. University of Wisconsin Medical School, Madison, 2002. Disponível em URL:http://www.wisconsinmedicalsociety.org/savant/faq.cfm

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